FLIP 2022

2022 é um ano peculiar. No Brasil, o passado nos interroga com o bicentenário da Independência e o centenário da Semana de Arte Moderna.

No plano global, a pandemia escancarou o fato de que a humanidade inventou para si uma forma de vida baseada no aumento da desigualdade e no esgotamento do planeta, seja pelas guerras, pelo modelo econômico insustentável ou por estruturas políticas antidemocráticas. Tecnologias e meios de comunicação têm acelerado interligações e trocas, trazendo questões sobre suas possibilidades e riscos.

O ritmo do noticiário, das redes sociais e dos algoritmos suscita perguntas sobre o que a literatura ainda ensina a ver. E, em meio ao desgaste das formas, de disputa de narrativas, de desencanto com a linguagem, de atentado às práticas democráticas, o que ainda nos conduz à literatura? O que, no contato com a leitura, pode tornar-se visível, e para quem?

A Flip deste ano planeja também aproximar-se de grupos e coletivos de leitura espalhados pelo Brasil. Formas compartilhadas de ler são maneiras de vencer o isolamento e criar comunidades de sentido. Como se lê pelo Brasil afora? Como o país conhece a si mesmo, como se vê no universo, como se oferece ao mundo? Como dialoga com o mundo?

Assim como na literatura, o pleno encontro entre autores e leitores não anuncia qualquer fim. Na gratuidade do inconcluso é que ressurge o sabor da experiência, sem que uma noção de utopia totalizante ou algum paraíso perdido fechem o campo de visão. Nunca as “ideias para adiar o fim do mundo”, para falar com Ailton Krenak, foram tão importantes.

Continuar a escrever e a ler é reencontrar-se com o que vem antes do fim, com as promessas e potências da coletividade que resiste, em diálogo cerrado com o passado, abrindo um caminho que a literatura ensaia, antes mesmo que possamos compreendê-lo.

foto: Zedu Moreau
foto: Zedu Moreau

Homenagens

Inspirada pelo desejo de ver o invisível, a Flip homenageia Maria Firmina dos Reis. O legado da autora é o de uma insistente vigilância sobre os valores humanos, capaz de situar, no centro do debate contemporâneo, a educação e a imaginação, mas também a educação para a imaginação. Trata-se de visibilizar quem trabalha pela palavra e por um ambiente cultural e educacional mais acolhedor, seja nas margens ou nos centros econômicos do país. As personagens e narrativas memoráveis de Maria Firmina têm inspirado coletivos de leitura, professoras e autoras contemporâneas com sua linguagem, imagens e abordagens de um Brasil real e ficcional que atravessa 200 anos de uma independência controversa.

Neste ano ímpar, o coletivo curatorial e a direção artística da Flip trazem também uma inovação: a celebração da trajetória artística de uma personalidade viva.

A artista em destaque da Flip 2022 é Claudia Andujar, cuja trajetória mobiliza anseios que são também os nossos, como o respeito às mulheres, às vidas indígenas, às populações negras, periféricas, e aos direitos humanos. Sua amizade com os Yanomami é signo de um Brasil e de um mundo munidos de uma mirada generosa, capaz de expor as articulações do próprio encontro, deixando ver o desejo e o espanto de ambos os lados. Como aproximar-se do outro sem apagar a diferença?

E como vencer o espaço que nos separa, com respeito e tato?